terça-feira, 3 de novembro de 2009

Em defesa da música atonal

Pessoal:

Adorno, mesmo que radical em suas opiniões, nos traz algumas pérolas (no bom sentido) de pensamentos que devemos parar para analisar com mais calma. Lendo hoje o seu livro Filosofia da Nova Música deparei-me com uma citação, talvez um pouco longa para um blog, mas que em muito dou o braço a torcer, pois também corresponde à maneira como penso a música na hora de compor.

Vamos a ela.

(p. 35) "A admissão de uma tendência histórica dos meios musicais contradiz a concepção tradicional do material da música. Este se define fisicamente, em todo caso, segundo critérios de psicologia musical, como conceito essencial de todas as sonoridades de que dispõe o compositor. Mas o material de composição difere destas do mesmo modo que a linguagem falada difere dos sons de que dispões. Esse material é reduzido ou ampliado no curso da história e todos os seus rasgos característicos são resultados do processo histórico. Carregam em si a necessidade histórica com tão maior plenitude quanto menos podem ser decifrados como resultantes históricos imediatos. No momento em que já não se pode reconhecer a expressão histórica de um acorde, este exige obrigatoriamente que tudo que o circunda leve em conta a carga histórica implicada e que se converteu numa qualidade sua. O sentido dos meios musicais não se manifesta em sua gênese. Entretanto não é possível separá-los desta. A música não conhece nenhum direito natural e por isso toda psicologia da música é tão discutível. Na tentativa de reduzir a música de qualquer época a uma 'compreensão' invariável, supõe-se a constância do sujeito musical. Mas esta está ligada à constância do material natural bem mais estreitamente do que possa pretender a diferenciação psicológica. O que ela descreve gratuita e insuficientemente se busca reconhecendo as leis de movimento do material. Naturalmente não se deve atribuir ao material sonoro em si, e nem sequer àquele filtrado através do sistema temperado, um direito ontológico próprio, como ocorre, por exemplo, na argumentação do que pretende deduzir, ora das relações dos sons harmônicos, ora da psicologia do ouvido, que o acorde prefeito é a condição necessária e universalmente válida de toda a concepção musical possível e que portanto a música deve ater-se a ele."

Ou seja, refletindo sobre o que Adorno diz, a música apresenta uma carga histórica que é implícita ao material utilizado. Não é possível dissociar material e uso ao longo da história. O material musical dessa maneira, está muito longe de ser um dado a priori, ou seja, pré-determinado por si só. Ele é, e essa me parece ser a tese principal do filósofo, um dado cultural dissociado da psicologia e ligado estritamente ao uso. E o compositor, ao fazer a sua própria escolha do material ao ser empregado em uma nova composição, deve ser atento a esse dado. Assim poderá, se perspicaz, até mesmo, se assim o desejar, tirar proveito da "carga histórica" que ele implica. (Eu acrescentaria, ainda, à frase final de Adorno, que nem também o uso de sons dissonantes não "é a condição necessária e universalmente válida de toda concepção musical possível". Uma atitude que, como compositor, deve-se ter é a de, lembrando a última citação que fiz do Mário de Andrade, sempre se questionar, sempre duvidar de si mesmo, sem com isso, entretanto, perder o foco, o objetivo final, que é simplesmente fazer música.)

Acho que é isso aí,

Um grande abraço,

Tadeu

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